"A Deusa chamará com uma voz que não pode deixar de ser compreendida. Se você ouvir esse chamado, não haverá lugar algum no mundo onde possa se esconder dele."
(As Brumas de Avalon)
"Pessoas que tenham sido iniciadas em bruxaria, e que tenham realmente aceitado a Antiga Religião e os Deuses antigos em seus corações, voltaram a ela ou sentiram-se mais atraídas por ela vida após vida, embora possam não estar conscientes de sua prévia associação com a bruxaria". (Gerald Gardner)
A DEUSA TRIPLA
Em cada achado arqueológico, a Deusa retrata a Mãe gigantesca de todos os seres vivos, símbolo da natureza e tudo que é belo e feio nela.
É precisamente por causa dessa dualidade que em algumas de suas representações a Deusa tem o rosto meio branco e meio preto. É provável que essa particularidade tenha sido derramada nas famosas Madonas Negras, ainda veneradas hoje em muitos santuários. Mas a Deusa Mãe não possui apenas um duplo aspecto. Ela estava associada ao culto lunar e às fases regenerativas da vida, trazendo sua veneração sob a forma trinitária de donzela, mãe e velha. A Deusa Mãe foi precisamente a primeira trindade na história religiosa do homem, que deu luz, mais tarde, à trindade egípcia (Ísis, Osíris, Hórus) e à trindade cristã.
☽✪☾ O PODER DA DEUSA MÃE E O ADVENTO DO DEUS ☽✪☾
A ideia da divindade masculina, personificação da vegetação que nasce e morre todos os anos, nasceu 5000 antes de Cristo.
A Deusa, como a mulher, foi reverenciada durante séculos, até que surgiram os mecanismos biológicos da fertilização, incorporando o homem à concepção. Inicialmente, o rito propiciatório de nascimento e morte da natureza foi reproduzido à risca, tanto na concepção quanto no sacrifício humano. A Deusa, por sua natureza de eterna força geradora, não podia sucumbir ao sacrifício; portanto, para morrer tinha que ser a divindade masculina, que seria renascida no ano seguinte. Daí nasceu o casamento entre a Deusa e o Deus das estações, assim como todos os simbolismos ligados às festas pagãs que ainda hoje celebramos: os sábados.
A supremacia fêmea viveu por um longo tempo, por meio de sociedades matriarcais a quem devemos o conhecimento de hoje das propriedades das plantas, entre em contato com o mundo dos espíritos e divindades, a liberdade física e sexual. Não é de admirar, de fato, que, com o advento do patriarcado, o homem tivesse a necessidade de tomar posse do controle genital feminino.
A linha matriarcal impregnado séculos e civilizações por um longo tempo, basta lembrar o Egito, onde o faraó subiu ao trono apenas de acordo com descendência matrilinear. Até mesmo o último faraó foi forçado a casar com sua irmã Cleópatra para poder reinar. Com o passar dos séculos, a nova necessidade econômica e social trouxe novas divindades guerreiras, relegando a Deusa à sua casa. Ela não era mais a única divindade e o papel do homem na concepção das crianças fez com que ele pudesse se tornar rei. E mesmo que a mulher transmitisse o poder, foi o homem que impôs as leis, através de novos costumes e novas religiões que nos séculos levaram à civilização patriarcal de hoje.
Para os homens, uma conexão com a Deusa lhes permite aceitar e conhecer seu desejo e necessidade de nutrição, proteção e a aceitação de uma amorosa presença feminina. Recuperar as energias da Deusa no interior de si mesmos ajuda aos homens a serem pais, amantes e companheiros mais equilibrados ao tempo que os libera das pressões culturais que lhe exigem “ter sempre tudo sob controle”.
O MANDAMENTO DA DEUSA
"Eu, que sou a beleza do verde sobre a Terra, da Lua branca entre as estrelas, do mistério das águas e do desejo no coração dos homens, falo à tua alma: desperta e vem a mim, pois, sou Eu a alma da própria natureza, que dá a vida ao Universo... De mim nasceram todas as coisas e a mim, tudo retorna. Ante meu rosto, venerado pelos Deuses e pelos homens, deixa tua essência se fundir em êxtase ao infinito. Para me servires, abre teu coração à alegria, pois, vê: todo ato de amor e prazer é um ritual para mim. Cultiva em tua alma a beleza e a força, o poder e a compreensão, a honra e a humildade, a alegria e o respeito. E a ti, que buscas me conhecer, eu digo: tua busca e teu anseio de nada te servirão sem o conhecimento do mistério de que, se aquilo o que procuras tu não encontrares dentro de ti mesmo, jamais o encontrarás fora de ti. Pois, vê, sempre estive contigo - desde o começo - e sou aquilo o que se alcança além do desejo."
(Por Starhawk, Anuário da Grande Mãe - Mirella Faur).
Há milhares de anos, a humanidade costumava honrar a Deusa, a forma feminina da criação. Naquela época, nos sentíamos ligados à terra, ligados uns aos outros, ligados ao Espírito. Começamos, então, a desenvolver parte da nossa totalidade - ou o lado "masculino", nosso lado direito- e aos poucos nos tornamos seres estranhos inclinados para um lado só, capazes de pensar mas não de sentir, capazes de ser produtivos mas não comunicativos, capazes de ser racionais, mas não intuitivos. Aprendemos cada vez mais a ouvir a voz estridente da razão, a confiar no senso comum e na lógica e a deixar para trás noções "primitivas" como magia, fadas e anjos.
À medida que perdemos contato com a nossa sabedoria "feminina" e nosso conhecimento interior, a nossa verdadeira espiritualidade, começamos a confiar na autoridade externa - entregando nosso poder a ministros, sacerdotes, senhores e gurus. Quando a energia masculina se tornou desequilibrada na sociedade, projetamos nossos aspectos negativos sobre Deus. Há muito tempo a Deusa foi destronada e esquecida, e Deus se tornou uma figura paternal no céu - alarmante, crítica, punidora e, acima de tudo, separada de nós. O céu já não existia aqui, mas "lá". A espiritualidade foi substituída por dogmas religiosos, por diferentes credos e distintas convicções religiosas, competindo uns com os outros, "em nome de Deus".
À medida que o tempo foi passando, fomos nos sentindo cada vez mais separados de Deus - e Ele foi amplamente deposto pelos cientistas. Voltamo-nos para a ciência e a tecnologia buscando soluções para os problemas, como uma vez nos havíamos voltado para a religião. Passamos a acreditar num mundo de separatividade, de medo, de luta, em que o mundo físico era a única realidade. A ciência nos informou que a vida na Terra é um acidente aleatório, um caldeirão químico que ferve descuidada e desordenadamente. A humanidade nada mais é do que um goulash bioquímico - e há provas científicas para constatar isso.
Obedientes, aprendemos a separar a matéria do espírito, ou até mesmo a abandonar inteiramente o Espírito. Afinal, "nada existe a menos que você possa ve-lo, toca-lo, medi-lo, repeti-lo em estéreis experiências de laboratório"- e o Espírito não segue essas leis.
Nossa voz interior - a voz gentil e amorosa do Espírito - foi descartada como uma mera fantasia e imaginação. As verdades invisíveis começaram a desaparecer da nossa consciência e, aos poucos, as relegamos aos mitos e contos de fadas; e a Deusa interior foi gentilmente embalada para dormir, aguardando a Sua hora, esperando que nos lembremos Dela.
Não foi só a ciência que pregou uma doutrina de separatividade. A mensagem central das religiões patriarcais é de que estamos separados de Deus - de que há um enorme golfo entre a matéria e o espírito - mas que através do sofrimento, da renúncia, do sacrifício pessoal, do martírio, do fato de passar várias horas ajoelhados em meditação, arrastando-nos sobre os joelhos em busca de tesouros divinos, confessando ritualmente os nossos "pecados" ou fazendo votos de pobreza, de castidade e de obediência, talvez possamos chegar um pouco mais perto Dele.
Essa crença "masculina" na separatividade - a crença de que estamos separados de Deus, separados uns dos outros, separados do planeta, essa crença de que o mundo é feito de objetos separados - está na raiz da nossa crise global. Ela nos levou à guerra, à tortura, ao genocídio, à crueldade, às ameças ao ecossistema, explorando a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial, uma ciência sem consciência, a homofobia, o racismo, o sexismo e mais ainda - tudo porque vemos "as coisas" ou "o planeta" como um Outro, como separados de nós. Sentir-nos separados leva ao medo, e o medo leva ao sofrimento, à exploração e ao abuso de poder.
O povo Hopi usa a palavra koyaanisquatsi para descrever como se sente diante do mundo moderno - um termo que numa tradução grosseira quer dizer "um mundo desequilibrado", um mundo que abusa da racionalidade às custas da nossa intuição. Perdemos de vista o quadro maior - a mística sabedoria "feminina" de que todos estamos interligados, de que somos indivíduos mas que não estamos separados. E criamos a atual crise mundial de tal forma que somos obrigados a abraçar a nossa metade perdida - para que possamos nos reconectar com o nosso lado esquerdo, com a Deusa, porque não conseguimos resolver nossos problemas sem Ela.
Nosso lado "masculino", nosso lado direito - controlado pelo lado "lógico", esquerdo, do nosso cérebro -, é capaz de lidar com a maioria dos aspectos da nossa vida diária como: levantar-se, lavar-se, comer, fazer compras, dirigir o carro, viajar, pagas contas. Ele é essencial para agirmos eficazmente no nosso mundo físico, não conseguimos levar uma vida normal sem ele. O problema é que, por si mesmo,ele mais parece uma visão unilateral. O que ele não consegue nos dar é algum senso de que estamos vivos. Ele não pode infundir vida com significado. Sentir-se separado dos outros faz com que o pertencer não tenha sentido. Ele não pode nos conectar com o Grande Mistério.
Pouco antes de sua morte, numa entrevista para a TV, perguntaram a Carl Jung se ele acreditava em Deus. Ele respondeu que não precisava acreditar - ele "sabia". É o nosso limitado lado direito que precisa juntar informações, analisar dados e tirar conclusões, em confiar na opinião de "especialistas". Quando confrontamos com a morte ou com algum infortúnio iminente, muitas vezes nosso lado direito recorre ao lado esquerdo (numa crise, até ateus se surpreendem rezando).
Apenas o nosso lado esquerdo tem acesso a essa realidade maior, às dimensões invisíveis. Quando é nosso lado esquerdo que passa a responder numa crise, começam a acontecer coisas "estranhas". O tempo parece parar à medida que você se desvia para evitar que o caminhão bata de frente com seu carro; o tumor desaparece "milagrosamente"; uma mão amiga surge não se sabe de onde para nos dar segurança; ou uma "voz" dá instruções muito claras sobre o que fazer. Nosso lado direito pode pensar e raciocinar, tendo acesso à informação e ao conhecimento - porém nosso lado esquerdo tem acesso a recursos ilimitados, além do espaço e do tempo, além da nossa imaginação. Ele sabe que toda a energia, toda a consciência está interligada - sabe que não há divisões entre a matéria e o espírito, entre a terra e o céu. Ele sabe que todos nós somos capazes de fazer "milagres"!
"Cremos que “Bruxaria” tenha sido um assunto fascinante ou aterrorizante para todos os povos de todas as eras, e sua “função” constitui no único consenso eterno nela existente, pois dela nunca uma única forma prevalece perene dada à sua fluidez. A mídia replica a figura imutável e cada um interpreta de acordo com amplitude de sua visão. Para alguns, a bruxa é uma figura folclórica, mítica, uma fantasia – e para outros – ela é a portadora das chaves para inúmeras possibilidades ainda ocultas". (Deldebbio)