sábado, 5 de janeiro de 2019
AFRODITE (VÊNUS)
Ela era a deusa do amor, do desejo, da fecundidade. Identificada em Roma com Vênus, uma antiga divindade itálica, com sua beleza encantava a homens e deuses, desencadeando atração fatal em qualquer um que a encontrasse. No entanto, mesmo para ela, às vezes, o doce ardor da paixão podia ter alguma implicação amarga.
Fascinante, sensual, sedutora, mas também volúvel e caprichosa, Afrodite era considerada pelos antigos como uma deusa "perigosa". Sua beleza, na verdade, tinha o poder de despertar os aspectos mais instintivos e irracionais da alma humana, desencadeando paixões e ciúmes que muitas vezes tinham um epílogo trágico.
GENEALOGIA DE AFRODITE
No nascimento de Afrodite existem duas tradições diferentes: a mais antiga remonta a Homero e faz da deusa do amor a filha de Zeus e Dione, uma divindade misteriosa nascida do casamento entre Urano e Gaia.
Na Teogonia de Hesíodo, no entanto, afirma-se que Afrodite nasceu da espuma do mar fertilizada pelos genitais de Urano quando este foi castrado por seu filho Cronos. De acordo com esta versão do mito, Afrodite, uma vez emergida das águas, seria transportada pelo vento Zéfiros para Cítera, e daí para Chipre, onde tocaria pela primeira vez a terra firme fazendo uma grama macia surgir sob seus pés.
Uma versão alternativa diz que Afrodite nasceu em uma concha e que dentro dela foi transportada na espuma do mar até Cítera.
Como deusa do amor, Afrodite teve muitas aventuras e filhos. Nenhum destes nasceu de seu casamento infeliz com Hefesto, deus do fogo. Muitas foram os filhos gerados por seu relacionamento com Ares, incluindo Eros, Phobos (Medo) e Harmonia, "aquela que reúne". De sua relação com Anquises nasceu Enéas, o herói de Troia, a quem o latino Virgílio atribuiu a fundação de Roma.
NATUREZA DUPLA
O culto de Afrodite no mundo clássico provavelmente tem raízes remotas. Acredita-se que na figura da deusa surgida da espuma do mar ecoa antigas mitologias orientais. Em particular, Afrodite é frequentemente assimilado a Ashtoret (ou Astarte), a Grande Mãe fenícia, adorada por todos os povos de língua semítica e ligada aos ritos de fertilidade e desejo. Como Astarte (e ainda mais como sua antecessora, a babilônica Ishtar), até mesmo Afrodite é de certa forma uma deusa de duas faces: por um lado benéfica, ligada aos rituais de amor, piedade e de maternidade; por outro lado, terrível, já que está ligada às forças mais escuras da Terra (daí a sua identificação em Esparta, em Chipre e na ilha de Cítera, com a deusa da guerra). Esta dualidade também se reflete na personalidade de Afrodite que emerge dos mitos: Se a maioria das histórias Afrodite é celebrada por sua beleza e sedução - tão irresistível a ponto de subjugar até mesmo seu pai Zeus - em outros casos, o seu poder sobre os outros assume forma brutal e vingativa. Como, por exemplo, Afrodite é considerada por muitos autores responsável pela morte de Hipólito, culpado apenas por ter se consagrado a Ártemis e não a ela.
No mito de Eros e Psiquê, de Ovídio, o ciúme da linda menina amada por seu filho induz Afrodite a submetê-la a todo tipo de tormento.
Também para a latina Vênus, que antes da influência grega era uma divindade secundária do panteão romano, a dualidade é um aspecto constitutivo de sua natureza. E no entanto, na cidade, a deusa do amor assume um valor político sem precedentes. Vênus, de fato, começa a ser venerada como a padroeira da gens Iulia (a família imperial) e como mãe de Enéias, o fundador de Roma. E, nessa capacidade, adquire o papel de protetora do império, uma função pública que nunca foi concedida à Afrodite grega.
A AMANTE INQUIETA
Em torno da figura de Afrodite surgiram várias lendas, não referíveis a um corpus unitário, mas fragmentárias e muitas vezes contraditórias. Muitas são inspirados pelo casamento infeliz da deusa com Hefesto, o deus aleijado do fogo, a quem seu pai destinou sem o seu conhecimento. Para escapar da gaiola de um casamento arranjado, Afrodite traiu seu marido com um grande número de amantes, especialmente com Ares, que amou com paixão ardente. Ao deus da guerra Afrodite permaneceu fiel, mesmo depois que seu marido os surpreendeu na cama, os prendeu numa rede invisível e os expôs ao escárnio dos outros deuses. Uma humilhação que levou Afrodite a passar um período de exílio em Chipre, sua ilha favorita, longe dos olhos de todos; mas isso não a impediu, uma vez de volta ao Olimpo, de retomar seus deleites amorosos com os outros deuses, voltando a trair seu marido também com Dionísio e Hermes.
A deusa também teve várias aventuras (nem todas com final feliz) com os mortais, incluindo os belos Adônis e Anquises.
Ao lado das histórias de assunto erótico, o corpo mitológico de Afrodite propõe outros de conteúdo mais sombrio, muitas vezes destinados a sublinhar a natureza vingativa da deusa. Assim, quando as mulheres da ilha de Lemno pararam de adorá-la, a deusa as puniu com um cheiro nauseante que fez com que os maridos as deixassem e as traísse com prisioneiras trácias. E quando as filhas de Cinira, rei de Chipre, a desonraram com seu comportamento, ela as puniu forçando-as a se prostituírem com estranhos.
Afrodite participou da guerra de Troia, na qual se aliou aos troianos. Seu favor não salvou a cidade da ruína, mas pelo menos permitiu que a estirpe troiana sobrevivesse, graças a Eneias, que Afrodite protegeu em sua fuga para Roma.
Apaixonada pelo belo pastor Anquises, Afrodite, para não intimidá-lo, fingiu ser uma princesa frígia e, em tal veste, seduziu-o e amou-o. Então, quando Anquises descobriu o engano, ela o tranquilizou sobre o seu destino (o jovem temia ser punido por Zeus por ter amado uma deusa) e anunciou que o filho nascido de sua união teria conquistado a glória eterna.
BONITO PARA MORRER
Adônis era tão bonito que Afrodite, ao vê-lo, o queria ter para si. Mais tarde, a deusa se apaixonou pelo jovem e fez dele seu amante. E talvez tenha sido essa sua escolha que custou a vida de Adônis, cercada por um javali que, segundo a lenda, foi incitado contra ele por Ares, ciumento do favor concedido por Afrodite ao perigoso rival.
PIGMALIÃO E GALATEA
Em sua "Metamorfose", Ovídio conta o mito de Pigmalião, o antigo rei de Chipre que se apaixonou pela estátua de uma mulher esculpida por ele. Louco de amor pela escultura, Pigmaleão implorou a Afrodite que desse vida à sua criação. Oração que a deusa respondeu, fazendo a estátua transformar-se em uma mulher de carne e osso. Pigmalião casou com ela, e de sua união com Galatea (a mulher) nasceu uma filha, que por sua vez gerou Cinyras, fundador da cidade de Paphos, com um dos mais importantes santuários gregos consagrados a Afrodite.
SEDUÇÃO PERIGOSA
O arquétipo de Afrodite como uma femme fatale sedutora e ao mesmo tempo perigosa nunca deixou de fascinar artistas e poetas. Entre a Idade Média e (tardiamente) o Renascimento, por exemplo, a deusa é protagonista de obras de grande ambição, como A Teseide, de Giovanni Boccaccio; O Lusíada, de Luis Vaz de Camões, e Vênus e Adônis, de William Shakespeare. Para não mencionar a produção pictórica super abundante focada na deusa, incluindo pinturas de Andrea Mantegna, Giorgione, Ticiano e Botticelli. No século XIX, a deusa do amor é celebrada por Ugo Foscolo no poema inacabado Le Grazie. Mais irreverente, a revisitação do mito feita em 1932 por Salvador Dali, que repintura a Vênus de Milo (a mais famosa estátua clássica de Afrodite) transformando-a em uma beleza surreal.